A consultora BMI considera que a moeda angolana vai continuar a desvalorizar-se, chegando ao final do ano a valer cerca de mil kwanzas por dólar, uma depreciação de quase 17% face ao câmbio actual. Os génios do MPLA, uma escolha pessoal do génio dos génios (João Lourenço), não deixam os seus créditos por nescidades alheias.
Os analistas, num comentário à evolução do kwanza, dizem que “os decisores políticos de Angola permitiram que o kwanza se desvalorizasse 39,5% em Junho, e pensamos que a moeda vai continuar a depreciar-se durante o resto do ano, caindo mais 16,8% do ponto médio de 830 kwanzas por dólar, para 1.000 kwanzas por dólar”.
Na análise, enviada aos clientes, esta consultora detida pelos mesmos donos da agência de notação financeira Fitch Ratings antevê que no próximo ano o kwanza venha a estabilizar à volta deste câmbio, com uma ligeira subida no preço mundial do petróleo e uma taxa mais baixa de queda da produção petrolífera.
“A forte exposição de Angola à volatilidade externa que afecta o sector petrolífero apresenta um risco de depreciar o kwanza ainda mais do que as previsões”, alertam ainda.
Para a BMI, há três factores que explicam a desvalorização do kwanza nos últimos meses: o final da moratória de três anos sobre a dívida chinesa, que terminou no primeiro semestre deste ano e coloca pressão sobre as reservas em moeda externa, a queda das receitas petrolíferas devido à redução de preços e produção, e os cortes na taxa de juro entre Janeiro e Junho, para 17%.
“No curto prazo, antevemos que estes factores vão continuar a fazer com que a depreciação do kwanza persista”, lê-se na análise à moeda angolana.
Em 2024, concluem, o kwanza deverá estabilizar-se, terminando nos 1.010 kwanzas por dólar no final do ano, principalmente devido a uma ligeira subida nos preços do petróleo e a uma taxa mais lenta de declínio da produção de petróleo.
O comentário especificamente sobre a evolução do kwanza surge poucos dias depois da revisão da perspectiva de crescimento, com os analistas da BMI a preverem agora uma recessão económica em Angola este ano, com uma queda de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB).
“Prevemos que o PIB real vá contrair-se 0,7% em 2023, depois de uma expansão de 3,1% em 2022, o que é uma revisão em baixa face à nossa anterior previsão de 1,8%”, lê-se numa nota enviada aos investidores.
Na revisão das perspectivas de evolução da economia de Angola, os analistas explicam que “esta revisão reflecte largamente o impacto da forte desvalorização do kwanza em Junho”, e acrescentam que “o aumento da inflação vai impactar no consumo das famílias e no investimento das empresas, o que coloca ainda mais pressão descendente na actividade económica do sector petrolífero”.
O resultado mais imediato da desvalorização do kwanza é o aumento dos preços. Uma moeda fraca é uma moeda sem circulação monetária fora das fronteiras de Angola, longe de afectar exclusivamente os preços dos bens e serviços importados, afecta também todos os preços internos, inclusive dos bens produzidos nacionalmente. A razão é óbvia: se a moeda enfraquece face a outras moedas congéneres estrangeiras, isso significa, por definição, que passa a ser necessário ter uma maior quantidade de moeda nacional para adquirir o mesmo bem ou serviço importado.
Bens produzidos nacionalmente também encarecem, pois as indústrias produtoras utilizam bens e serviços importados ou, no mínimo, peças importadas. Uma simples empresa que utiliza computadores e precisa continuamente de comprar peças de reposição vivenciará um grande aumento de custos.
Pior ainda: os preços dos alimentos são directamente afectados pela desvalorização da moeda. Com a desvalorização do Kwanza, no mercado internacional, a aquisição de petróleo, café, bananas, diamantes, etc. ficou muito mais barata para os estrangeiros com moeda mais forte.
Consequentemente, as empresas e produtores angolanos dessas matérias-primas passaram a vendê-las em maior quantidade para o mercado externo, gerando uma diminuição da sua oferta no mercado interno e um aumento dos seus preços pela escassez de bens e serviços em Angola.
A desvalorização cambial mexe com toda a estrutura de preços da economia, aumentando a taxa de inflação, reduz o poder de compra dos consumidores, gera aumento das taxas de juro do banco central, encarecendo o preço do dinheiro na banca comercial, entre outras consequências directas e indirectas.
Qualquer moeda é antes de tudo um meio de troca, substituindo a troca directa de bens por bens, como era feita há muitos séculos. É através da moeda corrente que permite os cálculos de custos e proveitos de projectos e investimentos.
Sendo o Kwanza uma moeda de circulação fechada, instável, sendo das moedas que mais caiu em valor, influencia negativamente a vontade de investir num país com este critério depreciativo.
Quando investidores investem — principalmente os estrangeiros —, eles estão, na prática, a comprar um lucro futuro. Para que investidores (nacionais ou estrangeiros) invistam capital em actividades produtivas, eles têm de ter um mínimo de certeza e segurança de que terão um retorno positivo.
Mas se a unidade de conta é diariamente distorcida e desvalorizada, se a sua definição é flutuante, há apenas incerteza no lado do investidor, independentemente da sua origem. Se um investidor não faz a menor ideia de qual será a definição da unidade de conta no futuro (sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem menor), o mínimo que ele irá exigir serão retornos altos num curto espaço de tempo, também por isso os preços e margens aplicadas em Angola terão que ser necessariamente maiores para compensar possíveis desvalorizações da moeda.
E há outro factor: uma moeda estável cria as condições necessárias para a transferência de conhecimento. O conhecimento acompanha o investimento: o capital estrangeiro vem acompanhado de conhecimento estrangeiro.
Se um país desvaloriza continuamente a sua moeda, ele está a dar um sinal claro aos investidores estrangeiros: mantenham o vosso capital e conhecimento noutros países.
O máximo a que um país de moeda fraca pode aspirar é utilizar para fins de curto prazo o capital puramente especulativo (o chamado “hot money”).
Um país de moeda forte e estável envia um sinal bem diferente ao mundo: “tragam o vosso dinheiro; mandem para cá os vossos especialistas; construam as vossas fábricas aqui; ensinem-nos tudo o que vocês sabem; e riqueza que vocês criarem aqui voltará para vocês multiplicada e numa moeda que mantém o seu valor”.
E é exactamente por isso que uma moeda forte e estável é indispensável para o crescimento económico. Quando a moeda é estável, investidores têm mais incentivos para se arriscar e financiar ideias novas e ousadas; eles têm mais disponibilidade para financiar a criação de uma riqueza que ainda não existe. O investimento em tecnologia é maior. O investimento em soluções ousadas para a saúde é maior. O investimento em infra-estruturas é maior.
Quando a moeda é instável — ou passa por períodos de forte desvalorização, os investidores preferem refugiar-se em investimentos tradicionais e mais seguros, como títulos do governo, ouro, etc.. Neste cenário, não há segurança para investimentos de longo prazo, que são os que mais criam riqueza.
É exactamente por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, (alta inflação de preços), são raros os investimentos vultosos de longo prazo. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os juros são altos. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os bens produzidos são de baixa qualidade. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, as pessoas são mais pobres.
Segundo alguns economistas, a desvalorização do câmbio é o segredo para impulsionar a indústria e o sector exportador de qualquer país.
Ao desvalorizar-se o câmbio, segundo eles, as exportações são estimuladas e, liderada por um aumento nas exportações, a indústria volta a produzir e, por conseguinte, toda a economia volta a crescer.
O primeiro grande problema é que, no mundo globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores. Para fabricar, com qualidade, os seus bens exportáveis, eles têm de importar máquinas e matérias-primas de várias partes do mundo. Uma mineradora e uma siderúrgica têm de utilizar maquinaria de ponta para fazer seus serviços. E elas também têm de comprar, continuamente, peças de reposição. O mesmo vale para qualquer indústria.
Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos de produção aumentem – e irão aumentar -, então o exportador não mais terá nenhuma vantagem competitiva no mercado internacional.
Folha 8 com Lusa
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